30 de julho de 2011

Entre



Você sente falta? Sinto, e você? Sinto. Você vai escrever sobre isso? É provável, eu não consigo me guardar em mim normalmente. É verdade, você sabe por quê? Não faço ideia, acho que é só uma característica, um pormenor, complica muito as coisas as vezes mas é só um pormenor. Por quê complica as coisas? Complica para mim só, acabo fazendo tudo em função das outras coisas. Mas por quê estamos falando disso? Porque é muito mais difícil inventar algo. É... Quantos filhos você quer ter? Três. Três? É, por quê essa cara? Não gosto muito da ideia de três filhos. Como assim? Pensa bem: três crianças, se forem duas meninas e um menino, ele sempre vai ficar isolado; ou dois meninos e uma menina, ela sempre vai ficar mais sozinha. Ah, isso não é assim necessariamente, além de que podem ser três meninas ou três meninos. É. Você prefere só dois então? Dois ou quatro, gosto de números pares, gosto de pares na verdade, acho que as pessoas não deviam ser sozinhas. "É impossível ser feliz sozinho..." É, não sei, mas acho que ninguém escolhe isso, sei lá. É. Quer um café? Não quero levantar. Eu trago pra você. Não quero que você saia. Nunca vi você recusar um café. Você nunca me viu recusar você, isso sim. Ah, isso eu já vi. Eu recusar você. É. Quando? ... (Pausa) Já reparou que quando a gente levanta o mundo muda? Ih... Não, não, não é desses discursos "podemos mudar o mundo com nossa força" não. Ah. É algo nosso mesmo, pessoal, quanto a gente levanta o nosso mundo muda, as conversas ficam mais superficiais, mais externas, sei lá. É, acho que quando a gente abre a porta a gente deixa o mundo entrar, por isso tudo fica mais comum. Por isso que eu não quero café. Depois eu trago a cafeteira pra cá. Ha, ha, ha, aí eu ia aceitar uma xícara. (Pausa. Abraços.) Sabe que você falando assim parece que você não gosta do mundo? É, eu sei, mas não é isso, eu só gosto de mergulhar assim em mim às vezes. Eu sei. Eu sei que você sabe, estou falando para quem está lendo. Você vai mesmo escrever isso? Tô pensando. Você tem que aprender que pode fazer coisas só para você. É, eu sei... Eu sei que você sabe, estou falando com quem está lendo. Ha,ha,ha, vê como isso é culpa sua também? (Pausa. Abraços. Beijos.) Seu cabelo tá tão longo. Né? Tô pensando em cortar. Por quê? Não sei, quando fica longo assim me assusta, tenho medo de ficar meio sem graça. Me acostumei com eles bem mais curtos.

28 de julho de 2011

Prisma

Escrever é sempre voltar os olhos para dentro.
É marcar compromisso comigo mesma e levar junto a coragem de manter
os mesmos olhos abertos
quando os fecho e olho para mim.

20 de julho de 2011

Reflexões despretensiosas sobre o tempo

Não sei se devemos considerar o tempo amigo ou carrasco.
O curso do tempo é independente da nossa vontade. O que depende de nós é fazer da nossa maneira e só.
Com o tempo, acho, só podemos andar lado a lado.
Usá-lo classificando-o ou praguejando-o acho que nos desvia de preenchê-lo com o melhor conteúdo.

(Resultante da leitura desse texto aqui e dos respectivos comentários.)

14 de julho de 2011

As últimas quatro estações




Estar de volta exige repensar sobre tudo. Tudo mesmo. O que passou, o que está por vir e, o mais intrigante, sobre o que se passa.  Engraçado que o que mais fiz em todo esse tempo que agora passou foi pensar. Sobre tudo. O que é bom, o que é ruim, o porquê eu queria tanto voltar para cá e as coisas que me faziam querer ficar por lá. Agora, estou dentro do jogo de novo, vendo como quem está por dentro, parcial e facilmente afetável. Mas agora vejo com outros olhos, tais esses que eu nem sei dizer por que são outros, provavelmente por estar dentro do jogo que sou eu. É claro que alguns outros sabem dizer melhor do que eu por que esses olhos são outros e só o sabem fazê-lo por estarem me vendo assim como eu os vi nos últimos dez meses: de fora, de longe, apesar de sempre perto.  

Essa idéia de que vê melhor o jogo aquele que está de fora dele sempre serviu para me explicar muito, muito. Vejo mais, sinto mais quando estou de fora. Aliás, imagino que vejo e que sinta da mesma maneira. Mas ao estar dentro me torno parte de um todo e por isso distingo menos, apesar de sentir do mesmo tanto. Deve ser isso.
Depois de dez meses parece que voltei sem ter passado uma semana fora. É claro que aqueles que aqui ficaram que não foram bombardeados por tudo diferente que eu fui e que não tinham o sentimento de falta amenizado pelo sentimento de ânsia por tudo de novo que vem (sem nenhuma intenção de que isso soe arrogante) irão ralhar comigo por dizer que pareceu pouco tempo. Não confundam, não pareceu pouco tempo. Pareceu, na verdade, o tempo que durou, sem nenhuma relatividade. Mas família acolhe-se como se nunca houvesse saído de perto nenhuma parte de si. É a coisa da parte e do todo de novo, reabsorvendo só, reacoplando. Por isso, não me pareceu ter estado longe mais que uma semana.

Era alertada constantemente sobre o crescimento acelerado do Lucca. É óbvio que houve, mas ele continua me dando selinho, pedindo “beijo, abraço, estica” e fazendo de tudo para que eu lhe faça cócegas até ele se arrepender de ter pedido.  Se a transição complicada entre infância e adolescência não se fez dolorida, é prova clara de que tudo que é meu permaneceu no lugar e eu me reintegrei sem estranhar um segundo que fosse o lugar que é meu.

Não posso dizer o mesmo quanto ao espaço generalizado. A cidade, as pessoas, os hábitos. Descobri que o impacto não é muito quando se vai daqui até lá mas que o inverso é estranhamente perturbador. E perigoso, porque corro sempre o risco de parecer que voltei arrogante e antibrasileira. Antes fosse simples assim. O que posso (e quero) dizer agora é que a necessidade de trabalhar para que as coisas melhorem é gritante e seria muito fácil aceitar isso com uma postura eurocêntrica e me mudar definitivamente assim que tivesse a primeira oportunidade.

Agora, como explicar essa pontinha de dor que sinto quando penso nesse passado tão recente, quando vejo as fotos e relembro os momentos? Eu penso em muitas respostas e acho que elas se somam para me dar a resposta verdadeira.  Uma delas é a diferença entre a vida resolvida e a vida por resolver. Outra é a diferença de facilidades (e dificuldades) de duas realidades diferentes. Mas provavelmente a mais importante é também a mais óbvia. Aquela que já fora prevista desde as primeiras percepções de afeto: a saudade jamais seria extinta por completo, ela seria apenas mudada de direção. (Detalhe: assistindo jogo Brasil e Equador, Galvão diz: “ótima enfiada de bola.” Lá ele.) Não preciso dizer muito sobre isso. O engraçado é que do lado de lá, ninguém agüentava mais me ouvir falar de histórias de irmãos, pai, mãe, colégio, amiga, boto. Agora, do lado de cá, tudo tem um toque de dendê, de queijo coalho, de bolinho de bacalhau e de chimarrão. E também já não agüentam mais me ouvir falar. Mas sempre, dos dois lados, escutam (e escutaram) com paciência e até com interesse talvez, e com certeza com a delicadeza de me deixar jorrar essas histórias que me fazem tão orgulhosa de ser eu, parte desses todos que tem pelo menos a mim como ponto em comum.

Novamente, saudades que não cabem. Não fui feita com capacidade suficiente para esse tanto de sentimento mas ele dá um jeito e se aloja por aqui. Obrigado por fazerem minha vida alternar entre primavera cheia de flores e verão cheio de sol, independente da estação.