6 de fevereiro de 2017

O catador de papelão

Tenho sentido meu coração doer.

Dói principalmente toda vez que eu lembro do menino
puxando com dificuldade o carrinho de papelão,
usando na perna um aparelho fixador parafusado,
me olhando tomar um café na calçada,
sentando no meio fio da próxima esquina pra dar uma olhada no machucado
enquanto eu pensava se ele já tinha comido
e se se ofenderia muito deu lhe levar uns pães de queijo.

Toda vez que dói,
tenho que lembrar de respirar fundo e olhar pras nuvens
(pro céu, pras árvores)
pra lembrar que existe algo bem maior
e que esse algo bem maior também sou eu.


Andaram saindo de mim, muitas palavras sobre vergonha.
Faladas, escritas, pensadas.
Vergonha de erros que me ferem o orgulho.
Ontem percebi com clareza que a única justificativa pra vergonha
é não estender a mão a um irmão que os olhos encontram
e as almas conversam.