30 de agosto de 2010

E se nascessemos sabendo viver?

(Para quem tiver tempo e paciência.)

Ah, se nós nascessemos sabendo viver... Faríamos tantas coisas diferentes.

Somos tão pequenos diante de tudo. Pequenos, não insignificantes. E erramos tanto.

Milan Kundera diz na Insustentável Leveza do Ser "Como pode a vida ser bem vivida se o rascunho da vida é a própria vida?" Se tivéssemos tempo de ver a vida, como um rascunho e voltar concertando aqui e ali, desfazendo isso e aquilo, os medianos oitenta anos significariam mais.

Se nascessemos sabendo viver, provavelmente esvaziaríamos com um intervalo de tempo regular as nossas gavetas e guarda-roupas e os quartinhos de entulho. Nos desfaríamos daquilo que nao serve pra mais nada em nós, fazendo outras pessoas felizes. E abrindo espaço. Dentro e fora de nós. Porque, afinal, o que é isso que vivemos senão reflexo do que está na nossa mente? É necessário tirar o entulho, preencher com o que tem importância.

Se nascessemos sabendo viver, faríamos como naquela música: nos importaríamos menos com problemas pequenos, aceitaríamos as pessoas como elas são, acordaríamos mais cedo pra ver o sol nascer, sairíamos mais pra fora de casa pra ver o sol se por. Hoje eu acordei pensando nessa música. E uma coisa me deixou triste, nao sei se foi exatamente esse meu sentimento: o nome da música é epitáfio. E é triste pensar que só nos damos conta disso quando a vida já está no fim. Se nascessemos sabendo viver, nos daríamos conta disso antes de aprender a andar.

Seríamos mais delicados com as pessoas, com todas elas. Teríamos menos implicâncias. Superaríamos os defeitos tão mínimos dos outros, que irritam-nos tão fortemente apenas porque somos ignorantes quanto ao que é viver.

Se nascessemos sabendo viver, aos nossos catorze anos daríamos mais valor aos nossos pais e irmãos muito mais do que damos aos nossos coleguinhas, namoradinhos, ídolos da televisão. A sorte é que há tempo de vida sficiente para nós para percebermos isso e correr atrás de demonstrar o valor que não demos. O duro deve ser quando o tempo passa na frente.

Se nascessemos sabendo viver nos alimentaríamos bem por conta própria para não ter que nos privar de tudo depois. Escolheríamos desde o primeiro momento aquele trabalho que nos fizesse feliz e daí não trabalharíamos nunca. Só trabalharíamos para nós. Mas esse já é um terrenos muito complicado da nossa existencia que eu acho que ainda preciso viver muito pra conseguir entender. Porque o trabalho só me é justificável como justificativa para o futuro, mas o futuro é tão incerto que fica difícil pensar sobre isso. Mas acho, e nesse caso só acho, que se nascessemos sabendo viver, talvez o motivo da vida fosse mais o presente do que o futuro. E aí trabalharíamos no almoço pra viajar na hora da janta. Mas e o futuro? Meu futuro talvez responderá.

Seríamos menos egoístas. Trabalhariamos de voluntários em alguma coisa que fosse ajudar a melhorar alguma coisa. Acumularíamos menos.

Talvez se todas as pessoas que já viveram pudessem voltar no tempo e refazer algumas coisas, elas talvez derrubariam menos árvores, gastariam menos água, jogariam menos plástico nos rios, menos lixo na rua. Não deixariam a tarefa de recuperar tudo de uma vez para alguns de nós.

Se nascessemos sabendo viver, abraçaríamos mais os mais próximos de nós. Seríamos cordiais e simpáticos com aqueles que estão conosco todos os dias como somos com os convidados de uma festa. Não seríamos indelicados com o pai, nem com a mãe. Não por medo, ou respeito. Por educação mesmo, e amor. Se nascessemos sabendo viver, talvez teriamos desde o início o amor que nossos pais tem para conosco com os outros e viveríamos muito mais intensamente.

Ah, se nos fosse permitido fazer o tal rascunho da vida. Ah, se aprendessemos a aprender com os erros dos outros, talvez a vida não precisasse ser a melhor escola por ser a mais rígida.
Muitas horas dos vinte anos que tenho ( e dias e meses são formados por horas) joguei fora com raiva, apego a inutilidades, contemplação dos defeitos, lamentação sobre o leite derramado.

Porém, sou uma otimista convicta em uma época em que o mais legal é ser pessimista ao extremo. Acredito no melhor das pessoas e no melhor da vida e quero a partir daqui viver a música epitáfio antes que eu tenha que me preocupar com o meu. E quando vejo as pessoas desperdiçando o tempo,se são próximas tenho vontade de sacudi-las para que vivam mais. Já que não temos o rascunho do Kundera, o melhor é fazer o melhor esboço possível, como nas frases clichê das blusas de 8ª série.

Esse texto não tem mesmo nada de novo. E nem pretende ter. É completamente e desde o início repleto de clichês. Mas se a vida é uma repetição com perspectiva de melhora, o que é ela própria a não ser um clichê? Como tudo que de mais belo que há nela: o amor, a amizade, os momentos bonitos e as recordações emocionantes. Tudo clichê. Nada novo.

Talvez a vida seja a mesma coisa contada de várias formas diferentes.

Se nascessemos sabendo viver, viveríamos muito mais. Por que, afinal, de que interessam as outras coisas se temos uns aos outros?

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