15 de janeiro de 2010

Sem fôlego

Adoro andar de ônibus. Mentira. Mentira não, exagero. Dizer que é mentira também é um exagero. Mas dizer que adoro,bem...

Nunca passo menos de 3 horas por dia andando no mais solidário dos meios de transporte. E, nesse período de ócio nem tão criativo nem tão criador intercalado entre casa e trabalho, trabalho e casa e algo que não vai muito além disso, descobri que é proveitoso e possível fazermos coisas úteis:

- continuar o sono interrompido a força pelos berros do despertador (porque qualquer som que amputa os sonhos sem nenhuma piedade a qualquer hora antes das oito da madrugada por mais suave que seja é um berro e quero ver quem será o primeiro a ousar discordar de mim);

- ler aquele livro que desenterramos por debaixo das xerox, agendas, carteiras, maquiagens e seja lá o que estiver perdido dentro do misterioso mundo da mochila e que você jurou que não vai devolver para a biblioteca antes de ler até o fim pois o R$1,50 que você teve que guardar para pagar a multa lhe privarão do biscoito de açúcar com canela mais tarde.

- atualizar o repertório musical dos recitais de chuveiro andando sempre com os fones do celular ou mp3 ou ipod ou tudo isso numa coisa só colados no ouvido, o que eu particularmente acho que nos priva de muitas histórias impagáveis e outras até inenarráveis, mas concordo que às vezes falta saco pra ouvir a Maria contando pra Maria que vai encontrar o namorado mais tarde e que ai dele porque isso isso e aquilo. Mas quando um ser não identificado resolve nos forçar a ouvir a banda Deja vu (pronuncia-se como se escreve) durante quarenta minutos seguidos de pura tortura, os fones são mais que justificáveis, totalmente necessários, até uma questão de saúde pública e o governo deveria deixá-los disponíveis em uma caixinha ao lado da catraca. Ou isso, ou proibir com um decreto de uma vez por todas os autofalantes nos mini aparelhos que só não servem ainda para educar os seus donos.

Na verdade, andar de ônibus é um exercício cultural dos mais completos e complexos. Partindo do ponto de que são três horas por dia, quinze por semana (contando apenas os dias inúteis!) e que a maioria da população brasileira passa a vida toda se locomovendo através desse meio e que a vida de um brasileiro dura em média setenta anos, fiquei com preguiça de fazer a conta. Mas minha intuição matemática relativamente aprimorada pelo curso de economia me diz que o tempo tomado é grande. E pode ser desperdiçado ou bem aproveitado, como qualquer outra coisa na vida, é óbvio.

Talvez um dia até descubramos que, tirando os arranhões, braços quase quebrados, sandálias perdidas, pertences furtados e até estapeações (sim, eu já presenciei uma estapeação entre um que descia e outra que subia, ou vice-versa, não me lembro), o momento de entrar no ônibus é um momento de transcendência entre um mundo e outro. Provavelmente ele vale muito mais a pena do que o destino aonde ele irá nos levar. São essas lembranças que ficarão, pois eu me lembro muito bem da história da menina que caiu da moto mas não lembro sequer pra onde estava indo quando a ouvi.

E, finalmente, respondendo à pergunta que provavelmente está passando pela mente do meu adorado leitor nesse momento, sim, sim, admito, estou juntando dinheiro para comprar um carro.

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